Segundo Siegel (2008), o autismo é uma perturbação global do desenvolvimento infantil que se prolonga por toda a vida e evolui com a idade, provocando alterações no desenvolvimento, nas respostas a estímulos sensoriais, na fala, na linguagem, nas capacidades cognitivas e na interação social, lúdica e percetual.
A musicoterapia é uma nova estratégia com enormes potencialidades no tratamento de crianças com perturbação do espectro do autismo, uma vez que as atividades com música favorecem a inclusão da criança pelo seu carácter lúdico e de livre expressão.
Participar numa experiência musical provoca uma série de processos neurofisiológicos identificáveis e desenvolve atitudes motoras, percetivas e cognitivas que ativam processos afetivos e de socialização A qualidade integradora da experiência musical e o carácter globalizador das respostas do indivíduo à música apoiam que, numa mesma atividade musical aconteçam simultaneamente, diferentes processos de perceção e execução que misturam experiências sensoriais, motoras, emocionais, cognitivas e sociais (Padilha, 2008).
A musicoterapia possibilita um enquadramento não-verbal através do qual as pequenas diferenças de comportamento se tornam evidentes nos processos intra ou interpessoais em crianças com perturbações da relação e da comunicação.
Essas diferenças podem ser encontradas no comportamento musical em resposta dirigida à atividade musical e num ambiente de improvisação livre e não estruturado.
Desta forma, o musicoterapeuta pode a este nível contribuir para a avaliação e diagnóstico global dos pacientes em musicoterapia ao nível da avaliação específica das capacidades sensório-motoras, cognitivas (atenção, memória, jogos de antecipação e sequência lógica) perceção visual e auditiva e comunicação interpessoal.
Musicoterapia no domínio da comunicação:
A música é considerada um meio de expressão não-verbal, facilitando a comunicação e exteriorização de sentimentos (Padilha, 2008) sendo assim, considerada um meio facilitador na abertura de canais de comunicação quer seja através do olhar, do toque (nos instrumentos) ou de escuta (percepção dos estímulos sonoros).
Segundo Costa & Sousa ([s.d.]) as técnicas da terapia musical podem ajudar estes indivíduos a serem mais espontâneos na comunicação, romper padrões de isolamento, reduzir a ecolalia e aumentar a socialização e compreensão da linguagem.
O som do instrumento assim como, o seu aspeto visual e táctil, podem auxiliar o individuo com autismo a compreender melhor os outros, propiciando quantidades inumeráveis de relações que podem ser a chave do êxito da terapia. É referido que quando começam a demonstrar intenções comunicativas (verbais e não verbais), a música pode ser utilizada para motivar a vocalização. Segundo Costa & Sousa ([s.d.]), aprender a tocar um instrumento de sopro pode ser de alguma forma, equivalente a aprender a vocalizar, auxiliando a utilização dos lábios, língua, mandíbula e dentes. Também, se verifica como benéfico, o uso de padrões melódicos e rítmicos fortes durante as instruções verbais, tanto na manutenção da atenção como na compreensão da linguagem verbal.
A musicoterapia reduz também, as vocalizações não comunicativas que possam impedir o desenvolvimento da aprendizagem da linguagem bem como, a redução de condutas estereotipadas, canalizando-as para a auto-expressão, através dos diferentes tipos de interação.
As experiências de ritmo permitem uma participação ativa (ver, ouvir e tocar), favorecendo o desenvolvimento dos sentidos das crianças bem como, a acuidade auditiva. Ao cantar ou imitar sons a criança descobre as suas capacidades e estabelece relações com o ambiente em que vive.
Durante uma experiência musicoterapêutica as interações podem ocorrer de diversas formas e em diversos âmbitos: interação com o instrumento, sendo o instrumento o objeto intermediário da relação quer seja com o musicoterapeuta e/ou com os seus pares; interação com o som/música, quer com melodias ou ritmos conhecidos, quer através de sons novos ao seu universo sonoro, possibilitando a perceção de novas fontes sonoras; interação com a atitude lúdica, tanto com o musicoterapeuta como com os familiares e/ou grupo, criando-se assim, novas oportunidades para novas perceções sociais e sonoras.
A Musicoterapia no desenvolvimento da cognição
A música abrange não somente objetos sonoros e musicais, mas também uma variedade de outros materiais. Deles emergem formas, cores, intensidade, tempos, gestos, movimentos, imagens, pensamentos e palavras.
As letras das músicas podem ser um veículo para transmitir informações básicas sobre a imagem corporal, conceitos espaciais, habilidades de auto-ajuda, conceitos de número e cor. Ao alternar para ‘ouvir’ a aprendizagem organizacional, reduz a ansiedade.
Os indivíduos com autismo desenvolvem a memória auditiva através da música, na qual aprendem: a imitar sons simples e fazer sequências mais longas de tons; a identificar os instrumentos pelo seu som e conceitos específicos, tais como a rotulagem (reconhecer objetos pelo nome musical, apontar, tocar, pelo som e pela forma), número (escala musical de 7 notas e responder aos sinais quantitativos) e associação (de cores, formas e nomes de instrumentos verbais: voz e som).
Realizando movimentos do corpo acompanhando canções ou cantos aumenta também, a memória motora-auditiva além de ajudar desenvolver a consciência corporal.
A Musicoterapia nas habilidades sensório-motoras
Alguns musicoterapeutas descobriram que as atividades rítmicas e musicais podem reduzir determinadas condutas estereotipadas. Desta forma podem ser usadas para ampliar as respostas dos movimentos rítmicos dos autistas para a atividade intencional.
As mudanças no ritmo ou estilo de improvisação do terapeuta, pode também ajudar a quebrar padrões de batimento compulsivo.
O ato de tocar instrumentos combina, assim a capacidade sensorial dos músculos em movimento com a sensação de instrumento com a estimulação auditiva do som que os movimentos produzem. Para além de ser estruturado, aumenta a participação na atividade musical, permitindo também, a expressão de emoções e dá ao individuo com o autismo uma sensação de segurança. Para além destes fatores, aumenta a coesão de grupo, habilidades sociais e a atenção bem como melhora a coordenação motora fina e grossa.
As canções e as experiências musicais de ação, ajudam os indivíduos com autismo a desenvolverem a consciência corporal, controle motor e coordenação e capacidades motoras como a estimulação sensorial. A coordenação do movimento com a música permite o desenvolvimento da motricidade grossa e fina, a locomoção básica, movimentos psicomotores livres e estruturados, atividades perceptíveis-motoras, dança e movimento criativo (Padilha, 2008).
O reforço sensorial permite reduzir os comportamentos de auto-estimulação, utilizando a música como reforço ou substituição.
Escrito por Lígia Mendes, Terapeuta da Fala e Mestre em Musicoterapia.
Bibliografia:
- Padilha, M. (2008). A Musicoterapia no Tratamento de Crianças com Perturbação do Espectro do Autismo. Tese de Mestrado em Medicina. Faculdade de Ciências da Saúde – Universidade da Beira Interior, Covilhã. 100 pp.
- Peters, J. (2000). Music Therapy: An Introduction. Second Edition. Charles C. Thomas Publisher, LTD. Springfiels Illinios. U.S.A.
- Santos, I. & Sousa, P. [s.d.]. Como intervir na Perturbação Autista. Tese de Mestrado em Psicologia Pedagógica. Universidade de Coimbra, Coimbra. Acedido em 17 de Dezembro de 2010 em, http://www.alexandracaracol.com/Ficheiros/A0262.pdf.
- Siegel, B. (2008). O Mundo da Criança com Autismo. Compreender e tratar perturbações do espectro do autismo. Porto Editora. Porto.
Comentários recentes