Fantasmas emocionais em tempo de isolamento - GADIC

Há cerca de um mês atrás Portugal parou. Ameaçados por um inimigo invisível, fechámo-nos todos em casa e um mês depois o governo elogia o comportamento cívico dos portugueses.

No entanto, noto que as pessoas começam a acusar o stress de estarem fechadas em casa. Cada dia se torna mais difícil. E porquê? Bom, por vários motivos. E diria que um deles é a perda de rotinas que ajudava a ocupar o dia e a mente, que nos mantinha longe de pensamentos e emoções por vezes mais difíceis de processar. Quantos de nós não adoptámos já a estratégia de nos ocuparmos ao máximo possível para não pensarmos em algo, ou não sentirmos algo doloroso?

E de repente aqui estamos, fechados em cada, muitos de nós sem nada com que nos ocupar, sem possibilidade de trabalho à distância, fechados connosco próprios e esses fantasmas dos quais fugimos mas de quem não conseguimos fugir estes dias, porque não há nada para fazer. E eles começam a instalar-se e forçam-nos a que os olhemos – e este processo pode ser bem doloroso.

Como lidar com isto? Creio que o problema começa na estratégia inicial – fugirmos de algo que é doloroso pode funcionar num primeiro momento, mas não o resolve. E mais tarde ou mais cedo, somos obrigados a confrontar-nos com as coisas que doem e que exigem carinho e atenção. Cuidar da dor como se de uma criança pequena se tratasse, em vez de um monstro que nos quer engolir. Abrir-lhe a porta, olhá-la nos olhos sem medo, e tomar consciência de que há coisas que de facto doem, por mais que isso nos custe. E em vez de lhe virar as costas, convidá-la a sentar-se, acolher a dor, processá-la. Ouvi-la. Porque por vezes achamos que se lhe abrirmos a porta ela vai ficar para sempre, mas não vai. Não se a soubermos cuidar de forma adequada.

E isto pode passar por várias coisas: por perceber que dor é esta (é tristeza? Angústia? Mágoa? Frustração? É raiva ou zanga disfarçadas de tristeza?); o que é que dói (é a perda de alguém que nos era querido? O fim de uma relação? O fim de um ciclo de vida?). O que pode fazer para cuidar desta dor (conversar com alguém? Um amigo? Um profissional? Investir em estratégias de autocuidado? Tirar uns momentos para chorar e deixar a emoção fluir?). E como gostava de se sentir? Conseguindo integrar esta dor na sua vida, qual é o estado em que desejaria estar no fim?

Por vezes, este processo parece-se mais com um bicho de sete cabeças do que o efetivamente é. E neste período de isolamento, em que estamos mais sozinhos com as nossas dores, aproveitemos para as cuidar, em vez de as deixarmos tomar conta de nós. E se a dor for demasiada, não hesite em procurar ajuda. Há dores que precisam de um cuidado extra, e um psicólogo pode ajudá-lo neste processo e a sentir-se melhor.