Era uma vez uma criança que tinha uma caixa dentro de si. Nesta caixa existiam muitos compartimentos, gavetas de diferentes cores, que ela escolhia abrir ou fechar quando assim lhe fazia sentido. Às vezes, abria a gaveta cor-de-rosa, e quando a abria ria-se e sentia-se contente. Outras vezes, abria a gaveta preta, e saíam de lá as lágrimas e a tristeza. Outras vezes, abria a gaveta vermelha, e a criança sentia-se zangada. Mas da mesma forma que a criança abria estas gavetas, também as ia fechando, sempre que as emoções passavam.
Quando a criança começou a crescer, começou a ocupar mais gavetinhas. Às vezes, até parecia misturá-las. Começou a ter uma gavetinha cinzenta, que abria sempre que se sentia culpada. Surgiu uma gaveta lilás, e aí começou a sentir o orgulho. E muitas mais gavetas se foram abrindo. Curiosamente, quanto mais velha a criança ficava, mais usava as novas gavetinhas e mais se esquecia de abrir as velhas. E quanto mais ela se esquecia das gavetas velhas, mais distante se ia sentindo de si mesma.
Muitas vezes, é isto que acontece ao longo das nossas vidas. Quando somos crianças, temos facilidade a aceder às nossas emoções base – emoções como a alegria, a tristeza, a zanga, o medo ou a surpresa. E quando estamos numa situação que desencadeia de cada uma destas emoções, ela correm livremente, e da mesma forma que surgem, também desaparecem, porque estas emoções caracterizam-se por uma curta duração e intensidade, bem delimitadas no tempo. Porém, ao longo das nossas vidas começamos a aprender outras emoções – como a culpa, o orgulho, o ciúme, entre outras. E muitas vezes estas emoções vão-se construindo sobre as primeiras, de uma forma que quando damos por nós, já não sabemos qual é o caminho para ir abrir aquelas gavetinhas iniciais, e começamos a ter dificuldade em experienciar estas emoções. Por vezes, chegamos mesmo a temê-las, a ter medo que elas nos dominem – por vezes não queremos sentir-nos tristes, porque temos medo de começar a chorar sem conseguir parar, por vezes tentamos não sentir medo com receio de ficarmos paralisados. É difícil sentir estas emoções. É difícil conviver com elas.
Porém, quando deixamos de aceder a estas emoções, estagnamos. É como se as nossas emoções se afogassem num pântano e ficassem perdidas no meio da lama e do lodo. Quando não as deixamos correr livremente, elas estagnam. E, tal como um pântano é desagradável, também nós não nos sentimos bem. Às vezes começamos a ficar deprimidos (porque não sabemos onde colocámos a tristeza), outras vezes entramos em pânico (esquecemo-nos do caminho para ir ter com o medo), outras vezes somos agressivos (porque não temos a bússola que nos guia até à zanga produtiva). E caímos neste erro de achar que se nos permitirmos a olhar para a tristeza, vamos sentir-nos ainda pior, achamos que se nos permitirmos sentir medo, o pânico vai tomar conta de nós, ou que a zanga nos irá dominar.
Por mais paradoxal que pareça, estamos errados. Quanto mais convidamos estas emoções para entrar e estarem connosco, melhor nos tendemos a sentir. Uma grande parte da nossa força passa por aceitar as nossas fragilidades. Aquilo que aconteceu foi que nalgum momento das nossas vidas aprendemos que a tristeza era para esconder, a nossa zanga era para guardar para nós, o nosso medo era inválido. E neste processo, esquecemo-nos do caminho para essas gavetinhas e ficámos estagnados.
Por isso, coloco-lhe algumas questões:
- Quantas gavetas continua a abrir na sua vida?
- Quais as gavetas que estão mais perras?
- Que gavetas deixou de abrir?
- O que é que aconteceu que possa ter contribuído para que deixasse de as abrir?
Autora: Elsa Conde
Comentários recentes